sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Negócios


Foi apresentado ontem na ESPN o documentário "King´s Ransom", da série "30 for 30", que comemora os 30 anos da emissora norte-americana. Cada um dos filmes traz um fato marcante do esporte no período, e este de ontem mostrou a polêmica transferência de Wayne Gretzky, lenda do Edmonton Oilers para o Los Angeles Kings, em 1988.

O canadense acabara de se sagrar tetracampeão da Stanley Cup e Gretzky era o principal jogador da equipe, ídolo do país e já considerado aos 27 anos de idade o maior jogador do esporte da história - rótulo que carrega até hoje.

Em dois anos, Gretzky teria passe livre e poderia se transferir para qualquer clube sem pagar nada aos Oilers. O dono do time na época, Peter Pocklington, viu-se num dilema: manter o contrato vigente, renegociá-lo por uma quantia enorme de dinheiro ou vender o jogador e transformar essa transação em um aporte de capital enorme para a franquia.

A primeira opção seria a melhor, financeiramente falando, no curto prazo. Teria boas possibilidades de vencer mais dois campeonatos sem precisar por a mão no bolso. A segunda representaria a permanência de Gretzky no único time que havia jogado desde então por, provavelmente, o resto de sua carreira e uma ótima imagem perante os torcedores dos Oilers. O custo da brincadeira, entretanto, poderia ser proibitivo para um time de uma pequena cidade canadense. Inclusive, Gretzky já havia mostrado "má-vontade" no assunto renegociação.

Pocklington, relutante até o último minuto, vendeu Wayne Gretzky ao Los Angeles Kings por US 15 milhões (uma cifra absurda para a época), cinco escolhas no draft e mais dois jogadores. Numa analogia ao futebol brasileiro, seria o mesmo que o Santos vender Pelé ao Bangu em 1967.

Até ameaça de morte Pocklington recebeu dos dóceis e insossos canadenses.

Como torcedor, o dono da franquia estava arrasado. Mas havia tomado a decisão correta para alguém que, além de torcedor, administrava o time. Conseguiu rejuvenescer a equipe e venceu outra Stanley Cup alguns anos depois. Gretzky ficou ainda mais rico, deu relevância ao inexpressivo Kings mas nunca mais sagrou-se campeão da NHL.

Hoje, o jogador mostra uma ponta de arrependimento com a mudança; Pocklinton, não. Em comum, ambos reconhecem que foi a coisa certa a ser feita na ocasião.

E daí você pergunta: muito legal, história linda, mas o que isso tem a ver com nosso esporte brasilis?

Respondo: o São Paulo acabou de anunciar que o zagueiro Miranda, um dos melhores da sua geração, irá para o Atlético de Madrid no meio do ano. Com o contrato vencido, o time do Morumbi não ganhará um centavo com a negociação.

Conforme foi anunciado pela mídia ano passado, o zagueiro recusara proposta de U$ 20 milhões do Wolfsburg, em janeiro, para transferir-se para o futebol alemão. Pensava que ficando no Brasil teria mais chances de disputar a Copa de 2010. A decisão foi louvada pela Diretoria Tricolor. Não foi convocado, não se valorizou e não teve mais nenhuma proposta relevante.

Meu amigo, US 20 milhões por um zagueiro? Assina o contrato sem ler e deseja muito boa sorte. Seja ele quem for. E se não quiser ir, problema dele. Assim como jogador de futebol se dá ao direito de romper qualquer contrato por "não estar feliz", também deve aceitar ser negociado contra sua vontade (ou deposita o valor da multa e vai pra onde quiser).

(Como diria Michael Corleone: "It´s not personal, it´s strictly business.")

Mas, e a torcida? Como fica?

A torcida até terá o direito de xingar, protestar. Da arquibancada, que é o seu lugar. Esse é o papel da torcida, pois ela não paga contas, não negocia contratos, somente torce.

Quem administra um clube de futebol não pode ser apenas um torcedor em posição privilegiada. Ter amor ao clube (ou pelo menos ao esporte) é fundamental para que se conheça bem o negócio e como pensam seus consumidores (os torcedores). Só que as decisões de negócio não podem ser tomadas das cativas, após uma vitória ou derrota.

Jogando pra torcida, e como torcida, os dirigentes são-paulinos terminaram sem o zagueiro, sem títulos - já que o São Paulo não ganhou nada em 2010 - e US 20 milhões mais pobres.

Excelente negócio.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Tão estranho quanto a ficção


No espetacular livro de George Orwell "1984", o protagonista Winston Smith é um funcionário do Ministério da Verdade, e o seu trabalho consiste basicamente em alterar todas as notícias já publicadas sobre determinados assuntos (mais notadamente a guerra que seu país trava ora com um inimigo, ora com outro), de acordo com instruções superiores e sempre sobre a presença onisciente do Grande Irmão (o Big Brother original). A trama se passa em um futuro não tão longínquo, pós-guerra e dominado pelo totalitarismo.

Reescrever a história sempre foi um expediente utilizado pelos vencedores e/ou déspotas de modo a perpetuar as suas visões da história, transformando mentiras em verdades ou meias verdades em inteiras.

Ontem, o brasileiro mostrou mais uma vez que sua criatividade não tem limites, e de ofício alterou a história do futebol brasileiro. Sem discussões, sem contra-argumentação, apenas com uma assinatura.

Não sou historiador (embora quisesse sê-lo), mas minha curiosidade e gosto pelo esporte fizeram com que eu conhecesse um pouco a história do futebol praticado no meu país, a qual descrevo resumidamente abaixo.

Fase da introdução: final século XIX-1930
O futebol, oficialmente introduzido no Brasil por Charles Miller, rapidamente abandona o exclusivismo da elite e abraça o povo, tornando-se não só o esporte mais popular do país como um traço fundamental da sua cultura. Época romântica, amadora, com competições disputadas em campos de várzea e ainda sem muitos indícios de que o foot-ball se tornaria o futebol. Nesse período é fundada a maioria dos clubes que se tornariam populares nas décadas seguintes e também a Confederação Brasileira de Desportos, que englobaria a organização do futebol no Brasil. A rivalidade real da época ocorre entre Estados, e não propriamente entre as agremiações. O grande nome do período, além de Miller, é Artur Friedenreich, que precisava esconder suas origens debaixo de camadas de pó-de-arroz para ser totalmente aceito. No cenário mundial, temos a fundação da FIFA e os Jogos Olímpicos como a grande competição.

Fase da regionalização: 1930-1950
O amadorismo dá lugar ao profissionalismo, jogadores transformam-se em ídolos reconhecidos e os Campeonatos Estaduais consolidam-se como os principais torneios do país. Leônidas da Silva, o "Diamante Negro" virou nome de chocoloate, que ainda está por aí. Campeonatos Paulista, Carioca, Mineiro, etc. atraem multidões aos estádios e marcam a divisão entre "grandes" e "pequenos", nunca mais do que quatro por Estado. As distâncias brasileiras, vencidas ainda com dificuldade, não permitem a criação efetiva de torneios nacionais, embora três edições do Torneio Rio-São Paulo tenham sido realizadas, sendo apenas uma terminada. O acirramento da rivalidade entre Federações estaduais traz mais problemas que soluções, como as Seleções enfraquecidas nas primeiras Copas do Mundo. Quatro edições deste torneio são disputadas, que terminou com a tragédia do Maracanazzo e a consagração do complexo de vira-latas de toda uma nação.

Primeira fase da nacionalização: 1950-1970
Futebol já é coisa muita séria por aqui, e o progresso da década de 50 permite novos saltos. Torneios nacionais são, enfim, disputados com regularidade, embora ainda disputando espaço em importância com os torneios estaduais. O Torneio Roberto Gomes Pedrosa, popularmente conhecido como Rio-São Paulo, passa a ser disputado anualmente e no final do período (1967) admite times de outros Estados, voltando a ser chamado por seu nome original (ou "Robertão"). Em 1959, com o início da disputa da Libertadores da América, é criada a Taça Brasil, que reunia os campeões estaduais e que indicaria os representantes brasileiros no torneio continental. Ninguém foi - nem será - maior que o Santos de Pelé. Com o desenvolvimento do esporte como um todo a CBD dá lugar às federações, dentre elas a Confederação Brasileira de Futebol - CBF. O mundo vê o ressurgimento da Copa do Mundo após o hiato bélico da década de 40 e aprende um novo jeito de se jogar o esporte bretão, com os três títulos canarinhos. A Copa de 70 (a maior de todas) encerra um período espetacular para o esporte no Brasil e no mundo, e cria um tal de marketing esportivo que viria para ficar.

Segunda fase da nacionalização: 1970-2002
O Torneio Roberto Gomes Pedrosa é substituído pelo Campeonato Brasileiro, disputado pela primeira vez em 1971, e a Taça Brasil é extinta (algo parecido surgiria no final da década de 80, com a Copa do Brasil). O Brasileirão demora um pouco a engrenar, disputando por boa parte do período as atenções com os Campeonatos Estaduais que, pouco a pouco, vão perdendo a relevância. Fórmulas complicadas e sem um padrão do torneio nacional mantêm o status quo da divisão entre "grandes" e "pequenos", aumentando ainda mais as diferenças entre os dois. A grana começa a rolar de verdade, os dólares falam mais alto que cruzeiros, cruzeiros-novos e cruzados e nossos craques deixam cada vez mais o país. O futebol globaliza-se e bilhões assistem a consagração de Ronaldo com o Penta.

Terceira fase da nacionalização: 2002-
Assim como grandes conglomerados econômicos tomaram o lugar das empresas regionais/nacionais, times com pouca torcida ou oriundos de Estados com menor capacidade econômica perdem espaço para os quatro grandes centros do país, principalmente Rio-São Paulo - e o futebol nacional perde ídolos, ainda antes de se tornarem ídolos, para centros no exterior. Os campeonatos estaduais tornam-se caricaturas do que já foram um dia, sustendos apenas por uma base que tem como único objetivo sua própria sustentação. O conceito dos "12 grandes", embora ainda aplicado, perde cada vez mais o sentido. O Campeonato Brasileiro, com décadas de atraso, adota a fórmula dos pontos corridos. Se isto for mantido (e tudo leva a crer que será) assistiremos à formação de um novo panorama do futebol nacional, com o fim definitivo dos times pequenos e diminuição do número dos "grandes" (afinal, nenhum campeonato no mundo gerou, no longo prazo, mais do que quatro times realmente dignos de carregar este adjetivo). A história ainda está em construção...

História não se altera, se valoriza. Deve ser contada tal qual aconteceu, para que saibamos como chegamos até aqui e para onde queremos ir. Para aqueles com essa noção, nem a mais poderosa canetada pode mudar o passado. E se nossa história não é devidamente valorizada, boa parte da culpa é daqueles que fazem parte dela.

O triste disso tudo é ver o futebol, patrimônio cultural brasileiro, nas mãos de gente que não dá a mínima pra ele. Mas utiliza-o como ferramenta de ativação do círculo virtuoso (vicioso?) poder-dinheiro-poder-dinheiro.

Um processo no qual, mais importante do que fazer o certo, é ser amigo do rei.

sábado, 24 de julho de 2010

Isso é palavra, meu filho

bati bastante em Muricy Ramalho. Afinal, acho que todo são-paulino com senso crítico percebe que, ao lado de tantas qualidades, persistem alguns defeitos - alguns irritantes.

Por outro lado, acredito que o bom senso deveria impedir que algum tricolor não gostasse do técnico. Vencer um Brasileiro pode ser obra do acaso; três, não.

A gratidão que tenho pelo Muricy é reflexo dos títulos que ele conquistou com o meu time, e o respeito, pela pessoa que ele é. Em um país sério, caráter não é uma característica que se destaca, pois é um aspecto tão básico e inegociável que vira a regra. Mas no Brasil, é uma qualidade de poucos, e Muricy mostrou mais uma vez que é uma pessoa de caráter.

O sonho de todo técnico bateu à porta, inesperadamente. Bastava um "sim", uma boa conversa com a Diretoria do Fluminense, que as coisas se acertariam. Mesmo contra a vontade, Horcades acabaria liberando o técnico para a Seleção.

Mas no meio do caminho tinha um acordo. Que não foi quebrado.

Vi meu interesse pela Seleção voltar por algumas horas, pois com Muricy no comando teria um ótimo motivo para tal. Com o desfecho da história, esse interesse voltou a diminuir, mas a admiração por Muricy Ramalho cresceu mais ainda. (Podem me chamar de piegas, não dou a mínima.)

A CBF sofreu uma bela derrota (ver Ricardo Teixeira ser passado pra trás não tem preço) e a Seleção terá de se contentar com Mano Menezes - incontestavelmente, a segunda opção da entidade.

O futebol ganhou um exemplo de como as coisas podem ser feitas.

E o Fluminense se apresenta como um dos grandes favoritos ao Brasileirão.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Brasileiro não gosta de futebol

Texto publicado ontem no Blog do Erich Beting, da UOL. Os grifos são meus.

"O Ibope da Copa de 2010 e a dificuldade para 2014

Sem o Brasil em campo, o brasileiro "desligou" a televisão durante a Copa do Mundo. Isso é o que aponta o acompanhamento feito pela Máquina do Esporte dos dados divulgados pelo Ibope durante o mês do Mundial da África do Sul. Brasil x Holanda foi o pico de audiência da Copa no país: 56 pontos na medição, somando-se as audiências de Globo (45) e Band (11). A decisão entre Espanha e Holanda, por sua vez, registrou marca menor que a da final do Campeonato Paulista (28 pontos na Globo contra 29 da decisão estadual).

Os números mostram uma realidade preocupante para a Copa do Mundo no Brasil, daqui a quatro anos. O brasileiro adora gabar-se de ser um povo apaixonado por futebol, tanto que abusou desse clichê na apresentação da logomarca da Copa de 2014, dias atrás, na África do Sul. Mas, via de regra, o que se vê é que o brasileiro é um povo apaixonado pelo seu time e por sua seleção.

Não é tanto a Copa do Mundo que movimenta a grande maioria da população, mas sim a torcida pelo time nacional. E os números do Ibope mostram isso. Sem a equipe de Dunga em campo, o interesse do torcedor pela Copa é inferior ao do Brasileirão ou dos Estaduais. E o que isso leva a projetar dificuldades para 2014?

O Brasil terá de ensinar sua população a ter interesse em ver jogos que, aparentemente, não são interessantes. Imagine o que pode vir a ser um confronto entre Nova Zelândia x Eslováquia? Será que há, de fato, interesse das pessoas numa partida como essa?

A Copa da Alemanha teve 100% de ocupação dos estádios. Importante lembrar que o país está no centro da Europa, sendo acessível a grande parte dos torcedores de diferentes países. O Mundial no Brasil, a exemplo da África do Sul, não será uma festa repleta de turistas de todas as partes do planeta. É mais caro, a logística de viagem é mais complexa, a insegurança é maior, especialmente do torcedor europeu.

O Brasil precisa, urgentemente, definir uma estratégia de comunicação para que o torcedor compareça na Copa do Mundo brasileira. Não apenas o turista que pretende acompanhar seu time, mas também o torcedor local, que precisa ver graça na Copa do Mundo, e não na seleção brasileira durante a Copa do Mundo. Do contrário, teremos de dar explicações tal qual a África para os clarões que foram vistos nos estádios."

terça-feira, 13 de julho de 2010

Nosotros

Do Presidente Lula, rebatendo as críticas ao "planejamento" brasileiro para a Copa de 2014:

"Terminou uma Copa do Mundo na África do Sul agora e já começam a dizer: 'cadê os aeroportos brasileiros, os estádios, cadê os corredores de trem brasileiros, cadê os metrôs brasileiros', como se nós fossemos um bando de idiotas que não sabem fazer as coisas e definir as nossas prioridades."

Sim, Presidente. Somos.

Atualização em 15/07: adiciono abaixo o texto do jornalista Luiz Fernando Vianna, publicado hoje na Folha de S. Paulo.

"Somos idiotas

RIO DE JANEIRO
- O texto ocupava só uma coluna, em página par, no caderno sobre a Copa de 2014 publicado pela Folha na última segunda-feira. Mas gritava atenção por causa do contraste com tudo o que estava em volta.

'Inglaterra-2018 já tem estádios e garantias', dizia o título. 'O projeto de candidatura do país já tem suas 12 cidades-sede e os 17 jogos que abrigarão os jogos', assinalava o texto.
Se o presidente Lula disser que não é justo nos comparar à Inglaterra, estará sendo contraditório. Ele não se orgulha de fazer do Brasil um protagonista da política e da economia internacionais, livrando-nos do complexo de vira-lata, assim batizado por Nelson Rodrigues?

Então por que, em vez de preparar uma Copa exemplar, os responsáveis públicos e privados não fizeram praticamente nada desde 2007, quando o país foi escolhido sede sem precisar sequer enfrentar concorrentes? A resposta é: somos idiotas. Um "bando de idiotas", para repetir a expressão usada por Lula anteontem.

Nessa primeira pessoa do plural, claro, não está Lula, força da natureza que sobreviveu a mensalões para, mesmo aliado à elite do fisiologismo nacional, deixar o posto como o mais popular dos presidentes brasileiros.

Nem estão as empreiteiras e outros entes privados que apostam no atraso para faturar mais e com menos trabalho, trocando as licitações pelo urgente e patriótico chamado dos governos.
Tampouco estão os ocupantes de cargos públicos, que serão obrigados, coitados, a liberar verbas de emergência para obras em estádios e aeroportos, todas feitas por doadores de suas campanhas.

Idiotas somos os que pensávamos em receber algum benefício social e vamos pagar uma conta de, por enquanto, R$ 33 bilhões -quatro vezes o custo da Copa da África do Sul."

Vencer não é tudo

O André Rizek disse um dia desses: "Vencer é o mais importante, mas não é tudo."

As recepções das seleções holandesas e uruguaias é prova disso.

Não que precisássemos desses exemplos, pois já tínhamos a Hungria de 54, a Holanda de 74 e o Brasil de 82.

É possível ser feliz, sentir orgulho e entrar para a história sem ser campeão.



segunda-feira, 12 de julho de 2010

2010 em 2040

A Espanha sagrou-se campeã do mundo e provou que artistas podem - e geralmente conseguem - vencer guerreiros.

A Holanda perdeu sua terceira final de Copa e não tirou o gosto amargo da boca.

A Alemanha renovou-se e, a princípio, apresentou uma nova geração de jogadores.

E o Uruguai, mesmo que momentaneamente, voltou a ser grande e escreveu uma das páginas mais bonitas de seu futebol.

Cada país guarda em sua memória lembranças particulares de cada Copa, diretamente relacionada ao resultado alcançado. Nós brasileiros, com uma rica história nesse campo, temos inúmeras, boas e más. E como eu não resisto a colocar as coisas em uma perspectiva histórica, faço e pergunta: como veremos a Copa de 2010 daqui 30 anos?

Para começar, explico porque 30 anos, e não 20 ou 40. Eu tenho 31 anos, então escolhi esse número por representar a minha idade e, consequentemente, a idade que terão, em 2040, aqueles que nasceram na época atual. Existe outro motivo, porém: na minha opinião, as Copas de 2006 e 2010 têm muitas semelhanças com aquelas disputadas em 1974 e 1978, aproximadamente 30 anos atrás.

Então vamos lá.

Quem gosta de futebol e é da minha geração conhece bem o que aconteceu em cada uma das cinco Copas que ganhamos - nada mais que o óbvio, pois é bom lembrarmos de coisas boas. Sabemos de cor todos os gols de 58, 62 e 70; sentimos até hoje a emoção da primeira conquista assistida ao vivo, em 94, e não reclamamos de viver tudo de novo em 2002. Além disso, claro, nos lembramos das outras Copas que não ganhamos. A minha primeira foi em 86, para aqueles alguns anos mais velhos foi 82, mas para ambos a derrota foi dura. 90, 98, 06 e 10 têm, cada qual à sua maneira, a sua imagem gravada na memória.

Das Copas que não assistimos, como já dito, conhecemos bem as que ganhamos e as duas grandes tragédias de 50 e 82; as "pré-diluvianas" (a expressão não é minha, não lembro nde li isso, mas adorei) de 30, 34 e 38 têm poucas - ou nenhuma - imagens, e até as de 54 e 66, que ainda não eram transmitidas ao vivo para o Brasil, não foram impregnadas no imaginário coletivo.

Sobraram duas: 74 e 78. Confesso que aquilo que sei dessas Copas foi aprendido em livros e revistas. Vi poquíssimas imagens desses torneios, e é inegável que pouco se fala a respeito. E, para mim, isso tem um motivo: foram Copas quase insignificantes para nós.

Sim, grandes jogadores as disputaram: Rivelino, Jairzinho, Nelinho, Luis Pereira, dentre outros. Até não fomos tão mal assim, visto que terminamos respectivamente em 3o e 4o lugares. Mas foram Copas em que o Brasil não foi tão Brasil, ainda mais vivendo a ressaca do nosso período mais vitorioso. Tínhamos acabado de vencer três Copas em quatro disputadas, encerrando a sequência com a espetacular seleção de 70. Era natural que o nível caísse um pouco, com a mistura do final de uma excelente geração com outra que ainda dava os primeiros passos.

Imagino que, em 2040, os trintões de então terão poucas informações das Copas de 06 e 10, basicamente pelas mesmas razões. O período antecessor foi formidável, com três finais disputadas e dois títulos; também tivemos uma geração se aposentando e outra, um tanto quanto incerta, assumindo; e, de novo, não tivemos desempenhos desastrosos. Bom não foi, mas ao menos ficamos entre os oito melhores.

Até os vilões deverão ser esquecidos. O dunguismo é irrelevante desde já, e o "dia de fúria" de Felipe Melo ficará, calado, ao lado da expulsão de Luis Pereira contra a Holanda, ou da briga no vestiário entre Leão e Marinho Chagas - lembra quem viu, quem só ouviu falar não dá muita bola.

Uma última coincidência. Logo após as duas Copas "esquecidas", tivemos algo especial. No início dos anos 80, a Copa da Espanha tem até hoje o nosso carinho - mesmo com a derrota. Nem a 5a colocação mudou o fato que a Seleção de 82 foi fantástica. E não custa lembrar que a primeira Copa da próxima década será no Brasil. O que a torna, indepemdentemente do resultado, especialíssima.

Tomara que os resultados de 1982 e 2014 não sejam outra coincidência histórica.

sábado, 3 de julho de 2010

Aos patriotas de botequim

Charge sensacional publicada hoje na Folha de S. Paulo.

Síntese

Volto a colocar aqui um trecho da coluna de Daniel Piza, sempre preciso, publicada hoje no stadEo de S. Paulo:

"Tomara que o fracasso dessa pseudo-renovação - com apenas um jogador com menos de 25 anos - abra espaço para o retorno da noção de uma seleção se faz com os jogadores mais talentosos, não com os mais obedientes."

Perfeito.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Início de uma nova era?

Em cada eliminação do Brasil em Copas, culpados são eleitos.

Barbosa em 1950, Manga em 66, Cerezo em 82, Zico em 86. Em 1990, certo volante abusou dos carrinhos, exceto quando Maradona partiu em disparada naquela tarde em Turim.. e teve início a Era Dunga. Uma época de truculência e pouca arte.

Dunga foi pra casa, engoliu a seco e quatro anos mais tarde cuspiu todos os palavrões que sabia quando ergueu a Copa dos EUA.

Mas isso não foi suficiente, pois a mágoa era imensa. Anos se passaram e ela ainda estava lá, escondida, remoída. Até que o ex-volante tornou-se técnico da Seleção Brasileira, e encontrou nos bons resultados conseguidos no cargo mais uma oportunidade para trazê-la à tona novamente. Uma mágoa transformada em ódio, contra tudo e todos que ousassem contrariá-lo.

Nesse longo período de quase quatro anos, Dunga fez muitas coisas; algumas certas, outras tantas erradas. E no meio de tudo isso inventou Felipe Melo.

Felipe estava lá, quieto no seu canto, curtindo seu anonimato, quando Dunga achou que precisava de alguém como ele dentro de campo. Procurou e encontrou Felipe na Fiorentina, sem passagem marcante por nenhum clube. Ninguém entendeu (como ninguém entendera a convocação de Afonso), mas como Dunga gosta de uma boa peleja, bancou o volante. E a coisa foi indo...

Chegou a Copa e o jogador já era titular absoluto, invicto com a Seleção Brasileira. Ainda sem convencer, principalmente por causa de seu temperamento. Tentou ser expulso contra Portugal e não conseguiu - arrumou apenas uma contusão que o tirou das oitavas-de-final. Mas contra a Holanda o Fiel Escudeiro lá estava.

E jogava bem. Na minha opinião, o melhor em campo no aclamado primeiro tempo do Brasil. Até fazer um gol contra - o primeiro do Brasil em todas as Copas -, perder a cabeça e ser expulso quando já havíamos tomado a virada. Gol contra, expulsão e eliminação em uma Copa é mais do que Barbosa, Zico e os demais citados fizeram em suas épocas.

Que Felipe Melo será o símbolo desta eliminação, não há dúvida. Até porque a sua atuação desastrosa contribuiu para isso. Agora, crucificá-lo como outros já foram acho errado. Jogadores já carregaram fardos pesados demais por culpa de menos, e repetir isso seria uma grande estupidez. Ele carregará a atuação de hoje em sua biografia, e isso basta.

Mas há um outro motivo pelo qual não devemos fazer isso: provavelmente não precisaremos mais nos preocupar com Felipe Melo. Com o destronamento de seu inventor, espero que o próximo técnico da Seleção trate, rapidamente, de "desinventá-lo". Não precisamos dele, pois não é mais que um jogador comum, que temos aos montes por aí. Ele será mais um daqueles casos em que olharemos para trás e diremos: "Nossa, o Felipe Melo foi titular em uma Copa do Mundo...".

Felipe Melo não merece tamanha importância.